sábado, 12 de julho de 2014

A rainha manda...: A Noite de Todas as Almas, Deborah Harkness

E a rubrica A rainha manda... continua, com mais uma leitura escolhida pela Patrícia do Chaise Longue: A Noite de Todas as Almas, de Deborah Harkness. Devo dizer que foi uma boa escolha; se não fosse a Patrícia, o livro podia ter continuado por ler mais algum tempo. A sinopse e tudo o que eu tenha ouvido falar dele fizeram-me ficar com uma ideia algo diferente... já lhe podia ter pegado há muito, se soubesse. Acabou por ser uma leitura fantástica e fascinante, pesada mas não longa, interessante e bem mais cativante do que pensava.

Aquela coisa amarela na capa, no título, é dourada, na vida real, e sai com uma facilidade tal que o meu exemplar tem metade do título apagado, com a passagem dos dedos por ele, quando lhe pegava. Dispensava-se totalmente um título tão catita para acabar nisto.

Podem ler as impressões da Patrícia sobre o livro que escolhi para ela, Throne of Glass, de Sarah J. Maas, aqui. Seguem-se as respostas às perguntas que ela me fez sobre a leitura.

Diana, a bruxa historiadora: Existe uma dualidade em Diana que a própria tende a evidenciar em várias alturas. O que pensas dela enquanto protagonista?
Tem um percurso curioso. A Diana é uma bruxa, mas não usa nem aprendeu a usar os seus poderes, devido a uma tragédia pessoal, e por isso a narrativa começa com ela como uma académica respeitada, mas que meteu a cabeça na areia no que toca a magia: tenta ignorar que exista, e tenta muito fortemente resistir ao impulso de usá-la.

Só que a magia recusa-se a ser ignorada. E quando a Diana tropeça num manuscrito aparentemente muito importante para todas as espécies sobrenaturais (bruxas, vampiros e demónios), vê-se no centro de um conflito pela posse do mesmo que a coloca em perigo, e que exige que se proteja com as capacidades mágicas que devia ter.

Há um longo processo de aprendizagem, até porque a magia dela tem certas condicionantes que não ajudam a que aprenda mais depressa. Mas o potencial dela é muito, e algumas situações de perigo fazem despertar certos tipos de poderes, e nessa altura, ela é absolutamente assustadora. No bom sentido.

Portanto, a Diana acaba por se posicionar entre duas posições. A racional, que faz de conta que a magia e o mundo mágico não existem, ao ponto de se tornar perigoso para ela; e a bruxa poderosa, que não tem controlo sobre o que consegue fazer, mas exibe uma capacidade mágica fora do normal. Esta segunda parte dela é a minha favorita, porque é mais assertiva, tomando as rédeas dos acontecimentos, e não se deixando arrastar por eles.

Matthew, o vampiro cientista: Controverso, Matt tanto nos faz adorá-lo como nos exaspera. Quais são os teus sentimentos acerca dele?
Maioritariamente, tive vontade de pegar no meu calhamaço e espancá-lo com ele. A parte chata é que um vampiro de 1500 anos não se magoa com este tipo de coisa. Por isso, eu e a Patrícia chegámos à conclusão que a melhor maneira de o torturar seria raptar-lhe a Diana e deixá-lo andar a correr por aí feito uma galinha tonta. (É basicamente o que acontece numa cena do livro.)

Agora a sério: o meu problema com o Matthew é o mesmo problema com todos os personagens masculinos armados em alfa/super-protector. É preciso haver um balanço entre protecção e tomar a heroína como parva e incapaz, e o Matt aproxima-se do segundo várias vezes. Ugh, ele (e a sua família vampírica) repetem mil vezes à Diana "ah e tal, não conheces os vampiros, não sabes como funcionam". ENTÃO EXPLIQUEM-LHE CARAMBA. Tal como não funciona o Matt fechar-se e não confiar na Diana quando estão com problemas/em perigo. E de vez em quando o Matt parece que andou na escola-Twilightiana-de-perseguição-arrepiante, com o aparecer em momentos estranhos, ou invadir-lhe o apartamento quando mal a conhece. ISTO NÃO É OK.

A parte boa disto é que a Diana tem uma atitude bastante assertiva, recusando-se a deixá-lo armar-se em mandão, e insistindo em ser incluída, e em mostrar-lhe que não precisa de ser apaparicada, e provando-se perfeitamente capaz de se defender e safar de problemas. E quando o Matthew aceita isso, acaba por se tornar menos irritante e mais interessante. A sua história passada tem muitos pormenores de interesse, e gostei bastante dessas partes, assim como de ler sobre a sua família e a relação que tem com eles.

A Família, uma cambada de sarilhos: Quando se fala das tias de Diana ou da mãe de Matt, por exemplo, qual é a tua reacção? O que achaste delas e da sua interacção familiar?
Ahhh adoro as tias da Diana, Sarah e Emily, e a Ysabeau, a mãe do Matthew. São, cada uma à sua maneira, personagens marcantes e geniais. A Ysabeau tem um feitio difícil, e é difícil de gostar ao início, mas torna-se numa aliada importante e ela e a Diana chegam a uma espécie de entendimento mútuo. Além disso, é uma personagem muito focada e inteligente, e capaz de manobrar nos bastidores e passar despercebida.

As tias da Diana, por sua vez, são muito engraçadas, cada uma com as suas idiossincrasias. A Emily é um doce e mesmo paciente, e a Sarah mais resmungona e algo preconceituosa em relação às outras espécies, mas aceita com reservas o Matt e acaba por mudar de ideias. A dinâmica que se gera na casa delas, com todos os personagens, é deliciosa. Desde a aceitação mútua, às concessões que se têm de fazer quando pessoas muito diferentes vivem juntas, elas conseguem gerir tudo brilhantemente, e a Sarah ainda consegue pôr-se a cozinhar feitiços com vampiros! (Giríssimo.)


Como elementos de fantástico, um dos pontos altos é a casa das tias de Diana. Qual foi a tua reacção nessa cena que, por acaso, é das mais importantes do livro?
Ah, adoro a casa das bruxas! Todo o conceito é delicioso, com coisas a voar pela casa e a serem reveladas quando a casa acha que devem ser reveladas; e a reacção da casa aos novos visitantes é tão engraçada, com barulhos estranhos e adição de divisões para os receber.

E em termos de história, também é uma parte importante, que me deixou animadíssima. Finalmente as peças do puzzle foram sendo ligadas, a história convergiu numa série de revelações e percepções que ligaram todos os pontos; e por fim, os personagens planearam em conjunto o futuro, e prepararam os acontecimentos do segundo livro. Por isso, esta parte foi muito excitante.

A mudança de local na narrativa marca as viragens mais importantes na história. Pensas que este factor seja determinante para o desenvolver da narrativa?
Sim, definitivamente. Cada vez que os personagens se vêem numa encruzilhada, mudam de local, e uma nova linha do enredo é apresentada. Da primeira vez que aconteceu desmotivei-me um pouco, porque não estava à espera, mas continuei a ler e as coisas voltaram a ganhar interesse. Em ambos os casos, as mudanças de local são precipitadas por uma ameaça à vida da Diana, vinda sempre do mesmo interveniente, até, o que só mostra que ela não está a salvo em lado nenhum, devido às suas características únicas.

Acontece quando os personagens se estão a acomodar (e o leitor também), a pensar que estão a salvo, e depois de o ritmo acalmar e irmos descobrindo mais algumas revelações; e pum! a autora lança-lhes um desafio que os obriga a repensar o seu percurso. É muito bom, porque gera a apresentação da Ysabeau e Sept-Tours, e da Sarah e Emily e da casa das bruxas em Madison - alguns dos meus pontos favoritos da narrativa.

 
Existem muitos temas neste livro que aliam o factor fantástico à história e à ciência. Pensas que isso tornou a leitura mais interessante ou aborrecida?
Interessante, sem dúvida, porque a autora consegue combinar áreas tão diferentes de maneira tão satisfatória. Achei fascinante que tenha usado algo que conhece tão bem do seu percurso profissional, a história da ciência, para inserir a protagonista nesse mundo; dá outro nível de credibilidade. E combinar essa área com o fantástico, composto pelos seres sobrenaturais deste mundo, é fascinante.

A ligação é feita através da alquimia, uma disciplina a meio caminho entre as duas áreas; e é um manuscrito antigo, disfarçado de manuscrito alquímico, que dá o pontapé de saída da narrativa e que é tão central na mesma, sendo muito importante para todas as espécies sobrenaturais deste mundo.

Por outro lado, existe ainda a introdução da ciência, que dá a explicação para muitos dos fenómenos e aspectos sobrenaturais da história. Ver a origem de alguns pormenores das espécies sobrenaturais explicados à luz da ciência é tão engraçado. Em suma, um mundo complexo, mas emocionante de explorar.

Existem muitas características diferentes nas bruxas e vampiros de Harkness, principalmente, no meio das bruxas, referentes aos seus poderes e hierarquia. Gostaste disso?
Sim, apesar de achar que as bruxas são umas chatas com tanto preconceito. Bem, não só as bruxas. É que neste mundo existem quatro espécies, os humanos, as bruxas, os vampiros, e os demónios - os últimos três são as espécies sobrenaturais focadas no livro, espécies essas que existem há muito, muito, tempo. Só que o problema é que há um preconceito e um tabu, neste mundo, em relação às espécies se misturarem, e bolas, isso complica mesmo as coisas, porque há sempre membros de uma espécie a desconfiar de membros de outra, e assim a narrativa não avança.

Voltando às bruxas e à complexidade das espécies. No caso das bruxas, cada uma tem um conjunto de capacidades diferentes, e isso também acaba por as separar; ou no caso da Diana, que tem um maior leque de capacidades que o normal para uma bruxa, por destacá-la - e não no bom sentido. A melhor parte é que a autora explica bastante bem o sistema que tem em mente, introduzindo aos poucos a informação necessária.

O mesmo se aplica aos vampiros e aos demónios. No caso dos primeiros, a maior parte da mitologia é abordada pouco a pouco, e desconstruída, mostrando como a maior parte das crendices se formou; no entanto, os vampiros até estão perto do que conhecemos.

Os demónios são aqueles que estão mais longe da respectiva mitologia tradicional - não há qualquer relação com a mitologia judaico-cristã. Aqui, são seres que caminham no limite entre criatividade e loucura, sendo capazes de criar grandes obras de arte e de serem excelentes na sua área, como podem vir a enlouquecer e cometer crimes hediondos. É um dos aspectos que mais me interessou, mas infelizmente, como nenhum dos protagonistas é um demónio, não tive direito a tanto detalhe como gostaria.

A escrita da autora é lenta, descritiva e complexa. Isso agradou-te ou houve momentos em que te fez confusão?
Acho que nunca tive problemas com a escrita dela. Aliás, adorei que ela introduzisse imensos detalhes na história, complementando-a, contando o passado de alguns personagens secundários, por exemplo, ou introduzindo flashbacks e afins para mostrar como certas coisas ou atitudes eram importantes.

É verdade que a escrita define o ritmo, e neste caso parecia mais lento, porque acontecia muita coisa, era revelada muita coisa, em poucas páginas; mas ao mesmo tempo, pode-se dizer que devorei o livro, tendo em conta a densidade do mesmo. Só houve uma altura em que tive problemas em seguir com a narrativa, que foi na primeira mudança de local (e de foco do enredo), porque não estava à espera, e frustrou-me um pouco.

Deborah é comparada a vários autores como Dan Brown ou Stephanie Meyer. Qual a tua opinião acerca das mesmas?
Geralmente as comparações assim e assado dão-me vontade de rir, porque são quase sempre exageradas, e um golpe de marketing descarado, desnecessário e quase desesperado. Mas neste caso, suponho que as parecenças são óbvias. A Deborah tem uma maneira de permear a narrativa com pequenos detalhes e informações no meio do enredo que é muito ao estilo do Dan Brown.

E no caso da Stephenie Meyer, bem, é óbvio, não é? Deve-se ao Crepúsculo e ao tipo de história "vampiro com muito tempo de vida apaixona-se por rapariga aparentemente frágil, que vai passar metade do enredo a meter-se em sarilhos e a precisar de ser salva". Pelo menos, este livro sofre um pouco, mais no início, desse tipo de parecenças com o livro de Stephenie Meyer. As boas notícias são que a Diana é mais assertiva e esforça-se por ser independente, e aprende a usar os seus poderes e a salvar-se a si própria; e o Matthew, bem, dá-lhe de vez em quando para dar uma de Edward, mas geralmente ganha juízo, e acaba por respeitar bastante mais a mulher que tem à frente.

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E aqui fica o livro que a Patrícia escolheu para mim, e porque é que o escolheu:

Transformar-se em Maria Antonieta, de Juliet Grey
Mais do que ser um romance histórico sobre uma das rainhas mais controversas da História, este livro é uma pequena pérola que penso que tem passado um pouco ao lado dos leitores em geral. Muito ao estilo do filme de Coppolla, tem um ar de irreverência inocente única enquanto, ao mesmo tempo, nos dá uma visão racional e longínqua dos mitos que passaram ao longo dos séculos sobre a vida de Maria Antonieta. Juliet Grey é uma favorita neste género e penso que a p7 irá apreciar a forma como esta autora escreve e nos transporta para outra época. Está na altura de matar a curiosidade!

Podem saber qual o próximo livro que sugeri à Patrícia para esta nossa aventura, e porque é que o escolhi, aqui.

1 comentário:

  1. Ohhhh, gostei tanto das tuas respostas *.* Fico muito feliz por teres gostado do livro =D

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