sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Attachments, Rainbow Rowell


Opinião: Este é um livro com uma premissa estranha, e só uma autora como a Rainbow Rowell para me pôr a lê-lo, adorá-lo, devorá-lo, e ainda pedir por mais. A sério, esta senhora tem um modo de caracterizar os personagens que é soberbo, descrevendo-os como se fossem pessoas que realmente conhecemos, e com as quais convivemos; e o seu talento estende-se ao ponto de dar um mundo interior bem rico a cada personagem - toda a gente tem as suas particularidades, e todos têm o seu interesse, se nos dermos ao trabalho de os conhecer.

Attachments é a história de Lincoln - considero-o o protagonista, porque esta é essencialmente a sua história, é ele que mais muda e cresce ao longo da mesma -, um jovem que acabou de sair da universidade, após tirar vários cursos (já agora, bem gostava de saber o que é que ele andou a tirar, oh Rainbow), e que está a começar um novo trabalho. Está na área de Informática de um jornal, e o seu trabalho passa por verificar e-mails dos funcionários que o sistema marca como potencialmente inadquados para o trabalho, por terem certas palavras-chave. (É o fim dos anos 90, a Internet está a dar os primeiros passos na direcção do que conhecemos hoje em dia. Uma preocupação com ramificações éticas interessantes, ainda mais se contrastada com a falta de privacidade que temos hoje em dia.)

O Lincoln detesta este emprego: passa horas sem fazer nada, e odeia dar uma de cusco e andar a espreitar a correspondência dos outros. Só que tropeça nas trocas de e-mails de duas jovens amigas que trabalham no jornal, a Beth e a Jennifer, e fica fascinado com a correspondência delas. Sabe que está errado, mas não consegue deixar de ler o que escrevem, e quando dá por si, está completamente apanhadinho por uma delas, a Beth.

Portanto, sim, premissa muito estranha. Só resulta por duas coisas. Uma, é que como leitores queremos continuar a acompanhar a história da Beth e da Jennifer, e queremos continuar a ler os seus e-mails, e é por esse nosso lado curioso que podemos desculpar a curiosidade ao Lincoln, porque também é a nossa. É uma espécie de auto-indulgência. Duas, e isto é um pouco esquisito de dizer, mas digo-o no melhor dos sentidos, é que o Lincoln é a coisa mais pateticamente adorável que há.

É que o Lincoln está como que congelado na vida, tendo chegado a uma encruzilhada no seu percurso. Esteve quase uma década na faculdade, este é o seu primeiro emprego, vive com a mãe, e ainda sofre com o desgosto que a ex-namorada lhe deu, alguns anos antes. Não tem nada na vida a que se agarrar, nada que o interesse, e por isso é que ele se agarra tão facilmente aos e-mails da Beth e da Jennifer, porque são um ponto de luz numa existência cinzenta. Emocionalmente, em termos de mentalidade, e de posição na vida, ele tem que crescer, e se foram os e-mails a puxar por ele, não consigo ficar zangada com a situação (ainda que queira fazê-lo um bocadinho).

Por seu lado, a troca de e-mails da Beth e da Jennifer é a coisa mais gira que há. A sua amizade mútua e o seu espirito de companheirismo são fantásticos. Adorei acompanhar as piadas privadas, as trocas de ideias, as confissões, as histórias que contam uma à outra. Como personagens, a autora consegue dar-lhes relevo, mesmo num meio tão complicado, e palmas para isso.

Tenho pena de não poder ler em que mais pensava a Beth em certos momentos, porque tenho a certeza que ela se restringiu em parte; mas a recta final do livro não resultava tão bem se soubéssemos de antemão o que lhe passou pela cabeça nessas alturas, o que ela pensava realmente. Além disso, o que vemos da Beth já me agrada muito. É um pouco ingénua, romanticamente, e também precisa de crescer nesta área, mas tem um bom coração, os interesses no sítio certo, é uma boa amiga, e uma apaixonada por filmes. E tem uma certa coisa em comum com o Lincoln, mas não vou comentar o que é exactamente, porque tem a ver com o desenrolar da narrativa.

A parte da narrativa do Lincoln é muito recompensadora de acompanhar, porque vêmo-lo a evoluir lentamente, a abrir as asas, a sair da zona de conforto, e perceber que há todo um mundo à sua espera. Precisava de ter os pés assentes no mundo adulto para a sua vida andar para a frente. Gostei de o ver relacionar-se com os aspectos da sua vida de maneira diferente, sem deixar perder a pessoa que é, um pouco geek, totalmente tímido, mesmo gentil, e geralmente boa pessoa.

O elenco de personagens secundários é delicioso, muito bom de conhecer, porque todos têm a sua personalidade, sem se perderem no todo. Temos o grupo que joga Dungeons & Dragons com o Lincoln (as referências geek abundam, yay), as pessoas que trabalham no jornal, o Justin e a Dena, a Jennifer e o marido Mitch, e o Chris, que para namorado da Beth, descrito em terceira mão, é muito vívido na sua descrição. Consegui topá-lo à distância. Até a Sam, a ex-namorada horrenda do Lincoln, é bem detalhada, e também se via que ia causar sarilhos à distância.

Acho encantador que a história se passe no fim dos anos 90, mesmo antes da viragem para o ano 2000, com todo o tipo de referências que localizam a narrativa no tempo. Temos a preocupação das pessoas com o bug do milénio, as menções a filmes desses anos (a Beth é crítica de cinema no jornal), e toda uma série de referências de cultura popular que é engraçado reconhecer.

Gostei do final, parecia um pouco à filme, mas depois ao mesmo tempo realista, com conversas que precisavam de ser feitas, a serem mesmo feitas. Só peca por curto, porque eu queria ver mesmo mais. Muito mais. O raio do último capítulo, e da última cena, terminam duma maneira que eu cheguei a pensar que me faltavam páginas ao livro. (Não, não faltavam. Eu é que queria mesmo mais. Se bem que aquela última frase é um pouco abrupta.) Mas fiquei satisfeita com o que aconteceu. Precisava de acontecer assim, ou não o sentiria como certo, e a narrativa desmoronava como um castelo de cartas.

E pronto, mais um livro fabuloso da Rainbow. Esta mulher é fantástica, nos três livros que li dela, conseguiu escrever em três épocas diferentes, e escrever sobre personagens em três pontos da vida diferentes, sempre duma maneira brutalmente credível e honesta, sobre os dilemas próprios de alguém dessa idade. É uma autora que vai para os favoritos sem reservas.

Páginas: 368

Editora: Orion (Hachette)

7 comentários:

  1. Opá, este livro. Pensei que era impossível a Rainbow igualar o awesome do Fangirl, mas estava enganada. ADOREI. Esta autora tem de escrever mais e mais depressa! xD (Se bem que ainda tenho 2 dela para ler. Shhh.)

    Fun fact: à semelhança da Beth e da Jen, eu também troco emails diariamente com umas amigas, e mal acabei de ler este livro fui a correr para o email e contei-lhes assim por alto
    a maravilha que tinha acabado de ler, resposta delas: basicamente WTF??? o que é que andas a ler?? isso não soa muito bem!! o gajo que lê os emails da moça??
    Eu depois ainda tentei explicar mas acho que fiz pior, porque isto contado realmente não soa muito bem, mas opá é preciso ler esta pérola e conhecer o doce (e tão palerma <3) do Lincoln para perceber que a história não é o que parece: STALKER ALERT. Tem graça que a Beth é que acaba por ser a stalker, quando ela admite que o tentou seguir até casa um dia, eu morri de riso, oh meu Deus, são dois palermas, tão perfeitos um para o outro.

    Aquele final foi mesmo à filme, sucinto mas tão wow. :3

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    1. Esta senhora é a nossa rainha, ponto. :D Ainda não leste o Eleanor & Park??? Do que estás à espera? Aqueles miúdos são totalmente adoráveis. ;)

      Loool acho que isto explicado ninguém vai perceber. Rainbow só lendo, mesmo. :D Ehehe, eu morri a rir quando vi que a Beth tinha tanta queda para stalker como o Lincoln, estão bem um para o outro. Só esse evento devia dar-nos uma pista do que ela estava a sentir, mas pronto, a moça só falava daquele namorado horroroso. xD

      Eu sou capaz de ter morrido um bocadinho quando ele vai ver o filme e ela também está na sessão... awkward. Mas tão delicioso, o que vem a seguir! :D

      Vais-te rir, mas quando li a última frase não queria acreditar que tinha acabado, achei que as páginas seguintes, que estavam em branco, deviam conter mais texto, e que só estavam assim por erro de impressão. Bolas, que eu queria ver mais dele juntos! :)

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    2. Ainda não! estou naquela: leio os livros todos dela este ano ou guardo alguns para ir lendo até saber quando sai um novo livro?? :'0 possivelmente vai ser a primeira hipótese.

      LOL, quando a Beth faz aquelas declarações todas na parte final é mesmo de morrer a rir. Nunca pensei. Mas o meu maior choque, que deve de ser o de toda a gente quando lê este livro (penso eu) é quando se descobre que o Lincoln é o cute guy. É mesmo aquele momento de comédia romântica no seu melhor. xD

      Sim, foi super abrupto aquele final, a gente fica a achar que falta texto ou páginas, e de certa maneira é muita maldade da Rainbow terminar o livro assim quando o Lincoln já estava todo saído da casca.

      Olha eu gostava de um livro inteirinho com o POV da Beth! Devem ser igualmente hilariantes os pensamentos dela sobre o cute guy.

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    3. Eu ando a torturar-me com o Landline, se compro não ou compro, se espero ou não espero, porque a edição que faz conjunto com as minhas edições PB britânicas dos outros livros, só sai em Janeiro... só se me atrevesse a comprar o HC britânico. :S Mas tu devias ler pelo menos o E&P, tão fofo, um pouco triste, mas tão adorável. <3

      Ehehe, foi tão engraçado, ver a Beth meio confusa com a situação, mas ciente que ela própria estava mais envolvida do que esperava na coisa toda. Aquela cena no cinema é tão estranhamente gloriosa. :D

      Pois, mas que raio de frase é aquela que ele diz no fim??? Aquilo não serve como fim. Fiquei a achar que ele ia fazer qualquer coisa a seguir, mas que a Rainbow não nos queria contar o que era. xD

      Seria interessante, viver um bocadinho no mundo da Beth. Se bem que já temos algumas coisas narradas por ela, como a cena do casamento, que ela conta à Jennifer... mas seria divertido ver o que lhe passava pela cabeça durante a recta final do livro. :D

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    4. Eu também ia esperar pelo paperback que sai em 2015 mas depois vi esta edição (http://www.bookdepository.com/LANDLINE-Rainbow-Rowell/9781250064301) paperback mais em conta e comprei. Possivelmente não vai condizer com os outros que já tenho (o que mais me chateia são as alturas diferentes) mas que se lixe, também agora sempre que sair um livro dela vou ter de comprar imediatamente, não vou conseguir esperar por outras edições. (-_-)

      Yep. Eu gostava de ter mais povs da Beth porque claramente ela não contava TUDO à Jennifer.
      Exactamente essa cena final! Adorava saber o que passou pela cabeça quando o reconheceu no cinema! e como é que ela decidiu ir sentar-se ao pé dele, deve ser uma lógica de pensamento hilariante xD

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    5. Já te chegou essa edição? Estou curiosa para ver como é. ;)

      Ai, a esta altura do campeonato vou tentando ter uma atitude mais descontraída em relação à estante e às edições combinarem, mas com a Rainbow, bem que gostava de ter tudo a combinar, a RR é especial. :) Ainda vou pensar no que fazer. ;)

      Ela fazia caixinha! Quero dizer, dava para perceber que alguém que dá uma de stalker está um pouco envolvido, mas nunca deu a entender mais, o que só me deixa louca porque ela levou N tempo a dar com os pés ao namorado irritante. xD Precisamos mesmo de lhe entrar na cabeça. ;)

      Acho que o cérebro dela entrou em curto-circuito ao ver o rapaz. Eu sei que o meu entrava. xD O choque de o reconhecer e rever quando não esperava que isso acontecesse, bem, deu-lhe para aquilo, e ainda bem. :D

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    6. Ainda não, mas já foi enviada. Parece que é um paperback com aquela imagem do auscultador do telefone.

      Ela é muito corajosa. Eu provavelmente tinha saído de fininho xD

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