sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O Marciano, Andy Weir


Opinião: Um livro surpreendente, no mínimo. Quaisquer ideias que eu pudesse ter acerca dele, pré-leitura, a partir da sinopse ou de opiniões que tivesse lido, revelaram-se insuficientes e não encaixam bem, de todo, com o que obtive na minha leitura. O que é bom sinal. Muito bom. A premissa-base, astronauta em Marte é dado como morto e fica para trás quando a sua tripulação retira do planeta, é simples, como devem ser as premissas, mas não descreve adequadamente todas as pequenas coisas e pormenores que me agradaram e fizeram desta uma leitura tão fantástica e absorvente.

A primeira coisa de que tenho de falar, é óbvio, é do protagonista, Mark Watney. Extremamente sortudo pelas circunstâncias em que sobrevive no inicio do livro, mas também por ser aquilo a que vou chamar a pessoa ideal para ficar abandonada em Marte. Primeiro, porque as suas áreas de estudo/trabalho, botânica e engenharia mecânica, lhe permitem criar soluções engenhosas, ainda que às vezes mal amanhadas, para sobreviver mais um dia a tudo o que lhe acontece no planeta que o quer matar.

E segundo, porque qualquer outra pessoa, com uma personalidade ligeiramente diferente, mais pessimista, mais deprimida, ou menos engenhosa, morria à primeira coisinha que lhe acontecesse. No caso do Mark, creio que é o seu sentido de humor e boa disposição que lhe dão um bom poder de encaixe para lidar com todos os pequenos contratempos, e até com o panorama geral de, bem, ser quase impossível sobreviver a Marte. É uma escolha deliberada do autor, criar o personagem assim, porque convenhamos, com um personagem que se fosse enroscar ali no canto a choramingar e deixar-se morrer não tínhamos história.

E depois imagino que o Mark também tenha os seus momentos menos bons, a nível psicológico, apenas não os descreve no diário/registo que vai fazendo. Quase sempre que acontece um contratempo, ele descreve-o no registo, e diz que vai pensar no que pode fazer para o resolver, e só volta a escrever nele quando tem uma ideia para o resolver. Quem é que me diz a mim que ele não se passa da cabeça nos intervalos, e depois recompõe-se, para ir inventar uma maneira muitíssimo improvável ou incrivelmente perigosa de ultrapassar a situação? Podemos argumentar que algumas coisas perigosas que ele faz são a sua maneira de lidar com a situação; apesar de ele nos tornar muito fácil acreditar que, sim, vai correr tudo bem, e não, aquilo não lhe vai explodir na cara.

Portanto, o protagonista facilita-nos imenso a tarefa de seguir a história, com a sua personalidade bem-humorada e engenhosa. A sua mente nunca pára, sempre a matutar no que pode fazer a seguir para aumentar as suas hipóteses de sobrevivência, e o seu humor é cativante, ainda que algo pateta. Mas as suas piadas e referências nerds são engraçadas. As suas constantes queixas sobre o que os companheiros de tripulação trouxeram como entretenimento para Marte (e que ficaram para trás quando eles retiraram do planeta), também.

Quanto à ciência abordada, que geralmente está presente nos planos que o Mark inventa para resolver algo, bem, eu não tive dificuldade em seguir as suas explicações. Talvez tenha sorte porque a minha área de estudo coincide em parte com algumas das coisas que ele faz, mas mesmo as coisas que não coincidem foram-me bastante acessíveis e fáceis de compreender. O autor explica bem e pormenorizadamente os conceitos. (Uma ou outra coisa tive de fazer um esforço para compreender, mas cheguei lá.) Em geral, suponho que depende do interesse ou não do leitor por temas científicos, mas creio que pelo menos dá para perceber a ideia geral.

A escrita é, em tudo o resto, acessível, levando-nos facilmente pelo enredo, fazendo-me devorar o livro bem mais depressa que esperava. O autor consegue manter o suspense sobre a sobrevivência de Mark, e imprimir drama e dinamismo aos eventos. Consegue até criar uma certa antecipação, ao introduzir antecipadamente no texto pequenas pistas sobre o que vai acontecer a seguir. Tornou-se uma leitura muito absorvente.

Complementando a narrativa de Mark em Marte, temos alguns momentos em que seguimos algumas pessoas na NASA na Terra, ou a tripulação da missão a que o Mark pertencia. Achei estes pedacinhos muito importantes, porque fornecem uma perspectiva completamente diferente sobre o que se estava a passar com o Mark. É interessante ver como se gera um tremendo interesse em relação a ele, que se mantém ao longo do tempo, e de como as pessoas torcem pela sua sobrevivência.

É uma perspectiva engraçada sobre a humanidade. Podemos empurrar uma matança, a morte de milhares, para uma nota de rodapé da história, e no entanto torcer pela sobrevivência de apenas um elemento de nós. O autor levanta essa questão brevemente, sobre como a sobrevivência deste homem em particular vai custar milhões de dólares, e outras missões a Marte, e potencial desenvolvimento científico. Mas esta é principalmente uma história inspiradora, sobre a sobrevivência de alguém contra as probabilidades, e é difícil manter o cinismo e não torcer pelo melhor. Além disso, a experiência de Mark e o seu registo são capazes de dar material de estudo muito interessante, e quem sabe ajudar no design de novas missões (para não acontecerem as coisas que acontecem ao Mark), e no que se conhece sobre o planeta vermelho.

Quanto à tradução, em geral fiquei com uma boa impressão do trabalho do tradutor, que traduzir jargão técnico e científico não deve ser fácil. Duas excepções. Uma, o uso da palavra exaustidão, que me parece que não existe. (É exaustão.) Duas, coerência. O tradutor não traduz Apollo, mas depois mete-se a traduzir Sirius, e tendo em conta que as palavras são usadas no mesmo contexto, ou eram traduzidas as duas, ou não era traduzida nenhuma.

Em suma, foi uma leitura completamente absorvente, que uma semana depois de ter acabado ainda me deixa a pensar, e que acorda um pouco o bichinho da exploração espacial. Vai ficar na memória, e é capaz de ficar como uma das melhores leituras do ano, pela junção de uma série de coisas que acabaram por me prender o interesse. Foi uma bela leitura, surpreendente pelo uso constante que faz da ciência, mas acessível, e muito cativante. Gostei.

Título original: The Martian (2012)

Páginas: 384

Editora: Topseller (20|20)

Tradução: Miguel Romeira

2 comentários:

  1. Adorei este livro! Muitíssimo bom mesmo.

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    1. Também adorei! Nunca pensei que ia gostar tanto, foi uma óptima leitura. ^_^

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