terça-feira, 12 de agosto de 2014

Uma imagem vale mil palavras: Guardians of the Galaxy (2014)

Gosto bastante de banda desenhada. E apesar disso, e apesar de uma boa parte do que leio ser de origem americana e ser comics de super-heróis, eu acho que nunca, em toda a minha vida, tinha ouvido falar dos Guardiões da Galáxia. Que eu me lembre, e até começar a ouvir falar do filme, isto é. Coisa estranha. E parece um movimento arriscado, então, fazer um filme dedicado a uma equipa pouco conhecida do publico geral. Uma coisa é fazer um filme com os Vingadores, outra completamente diferente com um bando de heróis galácticos desconhecido, entre cujos membros se contam um guaxinim antropomórfico e uma árvore sentiente e mais ou menos falante.

E no entanto, resulta. É tão bizarro pôr as coisas nestes termos, mas ou os astros alinharam-se, ou juntaram as pessoas certas para fazer as coisas certas, e fizeram-no resultar. Saí do cinema genuinamente surpreendida e satisfeita, e com vontade de ir espreitar o que quer que haja por aí de banda desenhada com este grupo. (Sim, já espreitei o que foi publicado em português com eles. Não chega.)

Acho que a primeira coisa que tenho de destacar que acertaram em cheio é o tom da narrativa. E digo o tom da narrativa em duas vertentes. Uma é a viagem de descoberta deste novo mundo para o espectador. O Peter Quill, apesar de viver no espaço há bastante tempo, é aquele que é humano, aquele com que nos podemos relacionar, e a sua experiência ao longo da história permite a quem vê o filme ir aprendendo as regras desta, er, galáxia. É uma opção super interessante, o uso de música dos anos 70/80. Permite ancorar uma boa parte da audiência alvo, dar-lhe um ponto de referência no meio de tanta coisa desconhecida. Para além disso, o Peter usa uma série de expressões que só um humano podia perceber, por isso o personagem partilha o humor das situações em que essas expressões são mal interpretadas com a audiência.

A outra é o tom com que conta o modo como uma equipa de personalidades diferentes se junta. Há humor, há espaço para apresentar cada personagem na história, há espaço para as personalidades chocarem e toda a gente andar a remar contra toda a gente, até perceberem que se calhar faziam melhor em remarem numa só direcção, que chegavam mais longe. O caminho pode não ser fácil, pode toda a gente arriscar-se a morrer e a fazer uma série de coisas estúpidas pelo caminho até acertarem o passo, pode haver muita resmunguice e exaspero pelo caminho, mas lá que o resultado é uma história divertida, com coração, e uma boa dose de acção, é.

Mencionei o humor. O filme tem um sentido de humor que felizmente vai de encontro ao meu, porque o resultado foi que passei duas horas a rir que nem uma perdida. (Muitas vezes já estava a rir e a piada ainda não tinha saído.) Primeiro há o uso de expressões e gestos tipicamente terrenos por parte do Peter que são sempre mal interpretados pelos interlocutores, com resultados variados, sempre hilariantes. (Ninguém sabe o significado metafórico de passar um dedo pela garganta, ou de paus metidos num sítio que nós sabemos.) E depois o humor inerente às situações espinhosas em que os personagens se metem, ou o humor dos próprios personagens (o Rocket é engraçado, quando não está a tentar ser mesmo mauzinho). Ohhh, e uma referência críptica a 12% de um plano! (É uma piada para uma coisa que o Tony Stark diz nos Vingadores.)

Dentro do elenco, estou estranhamente satisfeita com toda a gente, acho. Confesso que nunca imaginaria o Chris Pratt num papel protagonista destes, porque tudo o que conheço dele é uma coisa num registo mesmo diferente, mas deu-se bastante bem, lidando lindamente com a pinta do Peter. Também não esperava muito do Dave Bautista, mas acho que soube lidar bem com a verbosidade do Drax, e a sua excessiva literalidade. A Zoe Saldana sabia que era capaz de fazer um bom trabalho.

O Groot, bem, é qualquer coisa de fascinante. Só conhece três palavras, uma única frase, mas o Vin Diesel conseguiu pelo menos trabalhar-lhes o tom e entoação para que a frase nunca soe da mesma maneira. E o Rocket, bem... pobre criatura. A história dele é a mais horripilante, e é impressionante ver os antropomorfismos num guaxinim, as reacções tão humanas, de tudo o que ele faz ser um mecanismo de defesa contra um mundo que o tratou muito mal. É ponto para uma reflexão, esta criatura inteligentíssima presa num corpo de animal, que vai sempre ser menosprezado pela aparência que tem. O Bradley Cooper, cuja voz mal reconheci, dá-lhe o tom certo de rábido e animalesco, sem perder as características humanas do personagem.

Há uma série de outros actores bons, e cujos personagens são interessantíssimos, mas sobre os quais não posso falar individualmente, sob pena de passar aqui a noite. Talvez um destaque para o Ronan, a Nebula, e o Collector, que me deixaram intrigada. E já agora o Thanos, que parece ter os dedos metidos numa série de tartes metafóricas, mas que até agora ainda não provou nenhuma.

O enredo do filme gera-se à volta de mais um artefacto extraordinário, que é objectivo para toda a gente e mais alguma, uns à procura de lucro, outros à procura de poder. A história que abrange os vários filmes do MCU (Marvel Cinematic Universe) vai avançando, a pouco e pouco, na direcção do que imagino que seja um enredo semelhante ao da Infinity Gauntlet nos comics... um dia lá chegaremos. Entretanto, a narrativa de Guardiões da Galáxia permite fazer avançar esse arco maior de histórias, e o arco interno da narrativa, que compreende a evolução dos personagens, a apresentação do mundo, e a aventura quase de caça ao tesouro que se centra na Orb.

Visualmente, o filme está fantástico. Nunca tive dificuldade em acreditar que estava no espaço, e adorei os cenários de Xandar, da chegada a Nowhere, da prisão, ou do planeta abandonado. E por falar nisso, aqueles créditos iniciais são fabulosos, duma maneira bem divertida. E aquela cena antes dos créditos finais merece nota 10, de tão gira.

2 comentários:

  1. Concordo com cada palavra. Fiquei muito satisfeita com este filme. O enredo, as personagens, o tom usado,...tudo está muito muito bem conseguido! Tal como tu referiste, se referisse tudo o que gostei, escrevia um texto enorme e, muito provavelmente, iria esquecer de muito. Espero que o próximo filme realmente siga em frente e que fique, pelo menos, ao nível deste.

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    1. Para algo que a maioria de nós não conhecia antes de ir ver o filme, fizeram um trabalho soberbo em apresentar-nos este mundo, e cativar-nos para ele, não foi? :D Também estou com uma vontade enorme de ver o próximo filme, e parece que a sequela vai para a frente, mas agora devem ser uns 3 anos até à sua estreia. :/

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