Opinião: Nem acredito que estou a terminar mais uma série, ainda mais uma série que tanto gozo me deu ler, e que me cativou tanto ao longo das suas muitas páginas. Gosto muito do que a Robin LaFevers fez aqui, misturando acontecimentos históricos reais com a sua própria mitologia e personagens únicas, e tenho a sensação que vou gostar de acompanhar o que quer que seja que ela escreva a seguir.
Esta é a história da Annith, a terceira handmaiden (lamento, não tenho uma tradução boa o suficiente para isto) da Morte, uma de três amigas educadas num convento que venera um deus pagão, ou santo, dedicado à morte. E enquanto que as duas companheiras de Annith, Ismae e Sybella, já partiram do convento em missão, Annith continua lá presa, com previsão de assim ficar para sempre, pois a abadessa do convento tenciona que ela seja a profetisa do mesmo.
Gosto muito de ler as minhas previsões sobre o enredo na minha opinião do livro anterior, porque em parte estavam certas e em parte nem fazia ideia do que vinha aí. Tinha razão em ver a Annith como uma pessoa com uma personalidade luminosa, porque sobreviveu, tal como as outras meninas, a alguns tipos de maus tratos, no caso da Annith praticamente desde que nasceu, e essa foi a maneira que desenvolveu para lidar com as coisas. A história dela é comovente nesse aspecto, e enfureceu-me contra os que a magoaram.
Também tinha razão sobre a abadessa, e há uma razão muito particular para ela não deixar a Annith sair do convento. Nunca esperei que fosse isto, mas faz estranhamente sentido, e deu uma personalidade e densidade à abadessa que nunca sonhei que uma antagonista tivesse. Apesar de todas as asneiras que ela fez, consigo respeitar e compreender as suas razões, e o ter-se mantido firme nas suas convicções.
Quanto à própria Annith, foi interessante perceber que ela não é uma handmaiden comum, tal como a Ismae ou a Sybella não o eram; só que a Annith é-o de uma forma completamente diferente. E foi fascinante vê-la perceber que o rumo que tinham dado à sua vida não era necessariamente aquele que ela queria ou para o qual estava melhor preparada, apesar de ser extremamente talentosa como seguidora de Mortain. Vislumbrei ainda outro caminho para ela que não o que tomou, e seria igualmente adequado para a sua tenacidade.
Quanto ao par para a Annith - e aqui vou ter muito cuidado porque parte da piada é descobrir a identidade dele a par com a protagonista -, mas posso dizer que gostei de conhecer o Balthazaar, e de vê-lo com a Annith, porque há ali um magnetismo e uma química bem giros de seguir; contudo, gostava de ter tido mais cenas com eles juntos, particularmente quando descobrimos a identidade dele, para podermos desenvolver mais a parte da Annith a aceitar a revelação, e a apaixonar-se por ele outra vez. Por lado lado, tenho a dizer que o Balthazaar é o par perfeito para a Annith, tendo em conta a devoção e ferocidade dela como handmaiden da Morte.
Quanto à história do livro e como encaixa com os outros dois: bem, o Grave Mercy e o Dark Triumph seguiam-se um ao outro cronologicamente, com o segundo livro a estender as intrigas na Bretanha um pouco mais para além do primeiro; o Mortal Heart começa sensivelmente mais ou menos onde o Grave Mercy começa, talvez um pouco depois, mas tendo em conta que a história da Annith passa por alguns meses de inércia, seguidos de uma viagem que lhe leva mais tempo do que ela esperava, a Annith acaba por se encontrar com o elenco principal mais ou menos no fim do Dark Triumph.
O que é que isto quer dizer? Que no início do enredo temos a apresentação da protagonista e uma espécie de viagem de descoberta da mesma, conhecendo novas facetas da mitologia dos deuses, particularmente Mortain e Arduinna; e que quando Annith se junta a Ismae, Sybella (que bom foi revê-las e aos seus companheiros) e à corte, entra num momento em que a intriga está numa nova fase, e pode influenciar com a sua presença o desfecho do destino da Bretanha.
Gostei muito de como a autora explorou um período histórico riquíssimo para ancorar a narrativa destas três raparigas, e de como conseguiu seguir os eventos principais na biografia da Anne, a duquesa da Bretanha, nos seus esforços para a manter independente de França. Fez-me ter vontade de ler mais sobre o assunto, e ao mesmo tempo conseguiu apresentar o problema e analisar o tipo de intrigas que poderiam ter rodeado a Anne real, e que assolam definitivamente a Anne ficcional. (Que já agora, é uma personagem muitíssimo carismática, numa caracterização que nos faz esquecer que esta miúda tem apenas 13 anos.)
Outro aspecto que gostaria de destacar é a mitologia que a autora desenvolve, em que na Bretanha do século XV existe a veneração de um conjunto de deuses com características pagãs, e que convive a par com o cristianismo, que vem a ganhar terreno. Acho fascinante a veneração dos Nove, em como a autora incorpora facetas e histórias de cultos pagãos mais antigos para criar a sua versão; e gostei muito de descobrir melhor o que envolve a veneração de alguns deuses e as manifestações terrenas que estes podem ter.
Quanto à parte final, foi muito excitante ver a intervenção dos protagonistas, e o que isso implica, e em como a presença divina está mais presente do que se pensaria. Também foi uma boa solução ao imbróglio em que a Bretanha e a corte de Anne estava, e uma resolução próxima dos acontecimentos históricos, parece-me. Agora fiquei com vontade de que a autora pegasse nesta história mais para a frente, noutro momento de viragem da biografia da Anne.
Em suma, esta há de ser uma série que me há de ficar na memória. As protagonistas são fortes e dão gosto acompanhar, as pitadas de romance são deliciosas, a ideia do culto de Mortain e dos outros deuses é fascinante, e a autora complementa tudo com uma bela intriga com um fundo real histórico. Adorei e recomendo.
Páginas: 464
Editora: Houghton Miffin Harcourt
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