segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Jackaby, William Ritter


Opinião: Fazer comparações é complicado. Podem ajudar a vender um livro, mas também podem encurralá-lo no campo das comparações, sem o deixar respirar e ser algo independente. Não tendo visto suficientemente de Doctor Who para poder comentar a comparação, só me posso centrar na comparação a Sherlock. Diria que Jackaby bebe um pouco no cânone Sherlockiano sem se tornar numa cópia, fazendo a sua própria coisa no que toca à história e aos personagens.

Abigail Rook sempre sonhou em seguir o pai para as suas escavações arqueológicas, mas este sempre defendeu que o lugar dela era em casa. Desesperada por um gostinho de aventura, Abigail foge de casa com as poupanças para estudar, mas a escavação em que participou cedo se desmembra, e sem vontade de voltar a casa e encarar os pais, dá por si num barco com destino à Nova Inglaterra. Lá, ao procurar por trabalho, torna-se assistente dum R.F. Jackaby, investigador com um olho para o sobrenatural e para o que os outros não vêm.

Diverti-me bastante com a Abigail Rook, a nossa narradora. Não se deixa abater pelos contratempos, um pouco teimosa, bastante pragmática, com um saudável desprezo pelas convenções do seu tempo que não lhe convêm, apaixonada por aventuras, e com um olho analítico para o mundano, o que a torna a assistente perfeita para Jackaby.

Abigail não conhece o mundo sobrenatural, e serve para o leitor como porta de entrada para este; achei bem interessante a sua reacção à introdução aos sucessivos fenómenos sobrenaturais, pois a Abigail quer tanto viver uma aventura como as que leu nos livros, que aceita o estranho e deixa as coisas correr, intrigada com os eventos. Abigail não é uma donzela em apuros, sabendo safar-se bem sozinha, e é só o seu desconhecimento do mundo sobrenatural que a põe em perigo.

Jackaby é um personagem intrigante, mas menos definido, porque dele só temos as impressões da Abigail e aquilo que ele lhe revela. Sabemos que consegue ver seres e fenómenos sobrenaturais quando mais ninguém o consegue, e uma história passada é aludida. É distraído, alheado às coisas mundanas, mas francamente empático e um investigador dedicado, pois persiste mesmo quando ninguém acredita nele. A sua capacidade única dá-lhe uma perspectiva diferente do mundo, e é bem interessante vislumbrar as suas excêntricidades e idiossincrasias.

A narrativa foca-se num mistério que assola a cidade de New Fiddleham e arredores, um assassino que deixou uma série de corpos atrás e que tem conseguido evitar a atenção das autoridades. Jackaby defende que o culpado é de origem sobrenatural, mas as autoridades não estão para aí viradas, o que causa uma série de sarilhos aos nossos protagonistas... no fim de contas, diria que não me foi difícil perceber quem era o culpado, mas isso não me tirou o gosto por acompanhar a história, que mantém revelações e momentos de acção suficientes para manter o interesse.

O mundo sobrenatural é revelado aos poucos, mantendo-se ancorado no mundo real, mas gosto do que vi, porque mesmo usando lendas e aspectos do folclore féerico, acaba por intregrá-las à sua própria maneira, conferindo a si próprio uma peculiaridade e singularidade que me absorveu. A casa do Jackaby é outro detalhe que me interessou, porque reflecte a sua personalidade e o seu percurso como invertigador, mas também por ser aquilo que é, um labirinto cheio de livros e tralha fascinantes, e pelos seus habitantes, um conjunto de seres que me deu prazer conhecer.

A escrita do autor cativou-me aos poucos, porque tem como base um sentido de humor com que me identifico. As conversas entre os personagens são divertidas, espirituosas, cheias de piadas e travessuras encantadoras. A escrita abraça a peculiaridade do mundo sobrenatural e das situações, e vê-se que o autor estava a divertir-se a explorar este mundo que criou, o que se traduz em algo agradável de ver ler.

Entre os personagens secundários, há um belo ramalhete que vou gostar de continuar a acompanhar, se houver uma sequela. O Inspector Marlowe é algo antagonístico ao Jackaby por não acreditar no sobrenatural, mas acaba por ter de dar o braço a torcer e pedir-lhe ajuda; por isso gostava de ver como evolui a sua relação com o investigador. O Charlie Cane é um polícia que ajuda a Abigail e o Jackaby, bastante leal e dedicado, e gostava que voltasse, apesar das suas circunstâncias terem mudado. E quero descobrir mais sobre a Jenny e o Douglas, os habitantes sobrenaturais de 926 Augur Lane, porque me pareceram ter belas histórias a contar.

Em suma, diria que o livro acertou em vários pontos que me deixam satisfeita como leitora, sendo bem humorado, excêntrico, absorvente e uma bela aventura que me deu gozo acompanhar. As comparações valem o que valem, são apenas palavras num papel, e fico contente por ter mantido as expectativas sob rédea curta e ter explorado a história nos meus termos, porque gostei mesmo do que li.

Páginas: 304

Editora: Algonquin Young Readers

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