domingo, 21 de setembro de 2014

Heir of Fire, Sarah J. Maas


Opinião: Cada vez mais o tempo entre o lançamento de cada livro desta série parece um looooongo intervalo em que eu tento entreter-me com outras coisas para não dar em doida à espera, a suspirar para ler só mais um bocadinho. Ainda há dias andava eu a saltitar de contentamento por ter o livro nas mãos, por ao fim de um ano de espera poder finalmente lê-lo (ó para o meu eu tão inocente e fofinho), e agora volto novamente à inevitável irrequietude da impaciência. Há de certeza uma lição qualquer aqui para ser aprendida. A gratificação instantânea de devorar uma das minhas séries e autoras favoritas é que não me deixa vê-la, quanto mais aprendê-la.

Depois do pequeno vendaval que foi o Crown of Midnight, e depois de um certo acontecimento trágico que prometia ajudar a mudar o curso da narrativa da saga, Heir of Fire foi mais como um furacão. Deixou tudo do avesso (no bom sentido), enquanto que o centro da história, o olho do furacão, é bem mais calmo, investindo no desenvolvimento e caracterização dos personagens, preparando-os para enfrentar o que ainda há de vir.

É esse um dos aspectos da Sarah como escritora que mais aprecio - a maneira como ela retrata emocionalmente os seus personagens, que é soberba e fabulosa. Sim, isto é fantasia épica, mas os personagens são humanos (bem, quase todos), e as suas emoções são humanas, e tão vívidas e bem exploradas que é tão fácil despertar a nossa empatia, e compreender aquilo que sentem e experienciam, mesmo que não tenhamos experiências comparáveis no mundo real. Foi por isso que a Celaena, a protagonista, me encantou desde o início. Uma caixinha de contradições com um mundo interior riquíssimo.

E pronto, esta é a história da Celaena. Especificamente, e é um pouco difícil falar sobre isso sem spoilar, sobre finalmente enfrentar os seus demónios. Basicamente ela escondeu-se num pedaço de si e da sua personalidade, a Celaena Sardothien, para evitar lidar com tudo o que está para além disso, o que é compreensível, pois passou pelo tipo de coisas que uma criança de 8 anos não devia ter de enfrentar, e sobreviveu. E o enterrar de tudo isso manteve-a viva este tempo todo, e permitiu-lhe fazer coisas e ganhar capacidades que não teria de outra maneira. Mas não é maneira de viver, e agora que chegou à idade adulta e que pode fazer algo para corrigir as injustiças, é bom vê-la lidar com o passado, aceitar o que não pode mudar, e assumir a responsabilidade para a qual agora está preparada.

Parte do interesse do percurso dela ao longo do livro relaciona-se com o ver respondidas imensas perguntas sobre o passado dela. A sério, diria que a Sarah fez caixinha no primeiro livro, Throne of Glass, no que toca a worldbulding e background, apesar de revelar bastante, porque desde então tem dado uma imensa riqueza de pormenores ao mundo em que Erilea se insere. Estou maravilhada com as pequenas e grandes coisas que tenho vindo a descobrir. E isso também se aplica à Celaena e ao seu passado. Tanto o trágico, e as razões pelas quais ela se tem mantido discreta, como o bom, conhecer aqueles que a rodeavam na infância (com direito a ler uma cena sobre uma vez em que a Celaena e o Dorian se cruzaram em miúdos, que é a coisa mais adorável de sempre).

A outra parte tremendamente interessante do percurso da Celaena é conhecer alguém que é igualmente casmurro e mal-humorado, com quem a Celaena pode andar às cabeçadas e insultar e (tentar) dar porrada, que vai responder na mesma moeda, no qual ela reconhece uma alma igualmente ferida e que a vai ajudar a sair do poço e a enfrentar as mágoas. É o Rowan, com o qual desenvolve uma amizade deliciosa e bem engraçada de acompanhar, e que tenho a certeza que vai ser um dos defensores mais acérrimos dela, e uma boa adição para o grupo que se vai juntando em torno da Celaena. Além disso, o Rowan é um Fae, e simplesmente adoro a maneira como a Sarah está a apresentar os Fae e semi-Fae. Muito territoriais e protectores, a lembrar-me do modo como os Sangue da Anne Bishop eram.

Isto leva-me a outro ponto que queria destacar: o foco nas relações não-românticas. Uma parte dos personagens está num ponto de viragem, a descobrir coisas sobre si mesmo ou a perceber onde vão ficar no grande esquema das coisas, ou simplesmente a lidar com demasiada turbulência interna para manterem uma relação romântica saudável. O que não é mau, já houve espaço para esse pedaço da experiência humana na saga, e tenho a certeza que vai voltar a haver. Mas essa ausência dá espaço para a Sarah J. Maas desenvolver um verdadeiro hino à amizade, mostrando vários tipos e estados de amizade, o que é tão bom de ver. Pessoas que foram afastadas pelas circunstâncias, seres que desenvolvem uma afinidade sem palavras, vidas que se cruzam e ligam indelevelmente ao ponto de se compreenderem a um nível primitivo. É uma bela mensagem, a transmitida pela observação destes vários tipos de relações.

Isto leva-me a comentar o Dorian e o Chaol. O Dorian, diria eu, é uma daquelas personalidades bem-dispostas, com uma capacidade fantástica de encaixe. O que, tendo em conta quem é o pai dele, é maravilhoso. Nem quero pensar no que terá sido a infância dele, crescer com aquele homem horrendo. E o Dorian tem sobrevivido, crescendo para se tornar numa pessoa decente, com o potencial para ser um bom monarca. A sua história tem avançado aos poucos, mas com certos focos de interesse. É claro que a Sarah tinha de me roubar o único personagem feliz da vida em tudo isto, porque depois do que ela faz ao Dorian no fim, tenho muitas dúvidas que voltarei a ver o rapaz bem-humorado. Fiquei mesmo preocupada com o destino dele, e o Dorian era personagem que me deixava mais ou menos indiferente.

E depois o Chaol, que se mantém bastante ambivalente. Não por medo por si, mas por todo o seu país, por reconhecer que quando as coisas explodirem, as pessoas comuns vão sofrer. A sua relutância em agir prende-se também com o seu papel num certo evento do livro anterior, que imagino que o tenha tornado ainda mais cauteloso nas acções. E sendo o único que é um, er, comum mortal no trio, e o mais conservador dos três, creio que certas mudanças o assustem um bocado. No entanto, tudo isto não o impede de agir lealmente para com a Celaena e o Dorian, tentando fazer o que pode com a informação que tem. Tudo isto afasta-o do Dorian, porque para o proteger não lhe revela uma série de coisas, e o Dorian fica com a percepção errada dos acontecimentos, e pronto, custou-me ver os dois zangados por uma parvoíce destas. Não desejaria o percurso do Chaol a ninguém, porque é o mais complexo e mais difícil de aceitar, mas acredito que era um que ele precisava de percorrer para perceber onde é que devia estar.

Falta-me falar da Manon Blackbeak, que é uma nova adição à história, e uma com direito a POVs no livro. A Manon é uma bruxa Ironteeth, feroz e impiedosa e uma predadora. Como a autora a descreve, bem que podia ser um cruzamento entre o Capuchinho Vermelho e o Lobo, tudo ao mesmo tempo. E o seu percurso, apesar de não se cruzar com o dos outros personagens, é válido, porque mostra o que o vilão anda a preparar em várias frontes, uma deles sendo a das bruxas. E é um percurso tão bom de acompanhar. Adorei ver a ligação que a Manon criou com o Abraxos, um wyvern (é complicado de descrever, mas é a modos que uma espécie de dragão), e fiquei bem impressionada com o que vislumbramos da personalidade da Manon, e de como ela está a mudar.

Entre os personagens secundários, destaque para o Aedion, que esteve este tempo todo a segurar o barco, e a fazê-lo duma maneira impecavelmente badass, arrogante e determinada. (Hmm, lembra-me alguém.) E para o Ren, que numa pequena conversa a autora consegue revelar tanto sobre ele. Fez-me apreciar o valor desta geração de jovens e adultos, que há dez anos eram crianças e jovens, e cuja infância foi hipotecada pela ganância e malvadez de um homem. Lutando por reconstruir um país em ruínas, esta geração ainda há de penar muito, e é verdadeiramente trágico pensar no seu percurso.

A Sorscha, bem, é uma personagem que podia estar melhor construída, porque é das poucas que está ali para desempenhar um papel na narrativa, e não a sinto como independente e ricamente caracterizada, como acontece com os outros personagens. Quase que podia nem estar ali. As Thirteen da Manon, e mesmo as bruxas Ironteeth, são um grupo fabuloso, com vislumbres de pequenas coisas mesmo interessantes. O Emyrs e o Malakai são um casal adorável, e com os outros demi-Fae de Mistwood fazem um grupo bem curioso. A Maeve aparece pontualmente, mas promete arranjar sarilhos quando tiver oportunidade disso, e por isso foi tão bom ver a Celaena dar-lhe uma lição lá mais para o fim.

Diria que este é o ponto de viragem na saga. A escala aumentou, e agora a luta é por todo um continente, e aconteça o que acontecer, não há como voltar atrás. E vai ser uma viagem magnífica, a que Sarah J. Maas tem para continuar a contar. A sua escrita está mais madura, a sua caracterização de personagens é tão certeira e emocional, a construção do mundo está a caminhar a um bom ritmo, com detalhes intrincados e fascinantes a ser adicionados a todo o momento, a fasquia foi elevada no enredo geral da saga. Não posso imaginar uma série que me dê tanto prazer seguir, ou que me faça sofrer tanto a esperar pelo próximo livro.

Páginas: 576

Editora: Bloomsbury

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