segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Um Caso Perdido, Colleen Hoover


Opinião: Quase que sinto que devia fazer duas opiniões para este livro. A narração divide-se em duas partes que se complementam bastante bem, construindo um todo completamente devorável, mas ambas as partes têm um tom algo diferente, o que é surpreendente quando penso que ambas fazem parte da mesma história e que ambas contribuíram para o gozo que tirei da leitura.

A primeira parte - e vou ignorar o excerto que é inserido no início e que faz parte dum capítulo mais para a frente no livro, porque foi completamente inútil, não serviu para me atiçar a curiosidade, só me fez soltar um WTF? - apresenta-nos Sky Davis, uma jovem que até agora teve aulas em casa, numa existência algo reclusiva, sem acesso a tecnologias. Mas Sky cresceu feliz e passa parte do seu tempo com Six, a sua melhor amiga.

Sky convenceu finalmente a mãe, Karen, a fazer o 12º ano na escola secundária, para estar mais tempo com a Six, conviver com jovens da sua idade e fazer algumas actividades extracurriculares, mas Six troca-lhe as voltas e vai fazer um intercâmbio para Itália. Sky não se acobarda e continua determinada a ir para a escola, nem imaginando a reviravolta que a sua vida vai dar.

Entra em cena Dean Holder, um rapaz misterioso que a atrai muito, mas que lhe envia sinais mistos, e que desafia Sky como ela nunca tinha sido desafiada. E, pronto, esta parte dos inícios românticos do par é assim para o cliché. A Sky nunca se sentiu assim, ele é tão giro e misterioso e perigoso, uuhhh que bom.

Honestamente, ele emite uma vibe um bocado esquisita em certos momentos. Mais à frente vemos que há uma explicação razoável para o comportamento dele, mas a sério, a autora precisava de levar certas cenas e reacções a certos extremos? Podia perfeitamente atenuado a coisa e ainda assim dar pistas para a segunda parte da narrativa - aqui o problema, parece-me, é mais edição do que outra coisa.

Outra coisa singular é a declaração de Sky que, sim, se envolve com rapazes, mas nunca chegam a vias de facto, porque, não, ela não é uma galdéria. Vou dar-lhe um desconto, porque acho que isto é mais a Sky em modo auto-depreciativo a papaguear o que o resto da sociedade nos quer fazer acreditar... no entanto, preferia que a autora escolhesse outros modos de mostrar a auto-depreciação, porque a coisa é ambígua e não se percebe se está a validar esta falácia ou não. Vou também atribuir o problema a má edição, porque alguém com dois dedos de testa que fosse beta-reader dizia-lhe que isto era uma parvoíce. (O livro foi auto-publicado, originalmente.)

A piada da coisa é que... apesar dos clichés e dos revirares de olhos, o raio do livro devora-se enquanto o diabo esfrega o olho. Passei o último Domingo agarrada a ele, a virar páginas, a dizer para mim própria que tinha de continuar a ler, porque precisava mesmo de ver o que ia acontecer a seguir. A escrita da Colleen Hoover prende uma pessoa, e ela tem um modo de criar personagens vívidos e singulares, com pequenas características únicas. E apesar do início da relação da Sky e do Holder me fazer torcer o nariz, o resto foi absolutamente delicioso de seguir. A química está lá, as cenas íntimas são intensas, e dei por mim a torcer para que estes dois palermas se entendessem.

A segunda parte da narrativa é bem mais séria, e foi a minha favorita por causa disso. (Bem, está empatada com o desenvolver da relação da Sky e do Holder, suponho, que quando passou a parte inicial até foi bem divertida.) Não me posso alongar, porque parte da piada é descobrir aos poucos as coisas com os personagens... desconfiei quase desde o início qual era a "revelação" que vinha aí, mas isso não me estragou o gozo que tirei da leitura.

Posso dizer que gostei muito da descrição da situação e das repercussões que teve nos envolvidos. Achei realista e fez sentido com algumas singularidades dos personagens, para além de haver uma espécie de ressonância dos acontecimentos que acaba por ligar toda a gente mais do que se pensaria. E gosto que a autora tenha mostrado as nuances da situação, especialmente no fim. As coisas não são a preto e branco, e gostei de acompanhar o dilema moral apresentado com aquela situação final.

O elenco de personagens secundários traz algumas personalidades interessantes. A Karen, que é uma mulher mais forte e reservada do que se pensaria, mas que parece ter tido um percurso de vida interessante e duríssimo. A Six, que é uma doida no melhor dos sentidos, muito divertida, e uma óptima amiga para a Sky; e que mesmo não estando presente fisicamente, mantém a sua presença em espírito de modo muito resoluto. E o Breckin, que é o melhor tipo de nerd (livros), e o melhor tipo de amigo (oferece um e-reader à Sky, coisa que ela nem sabia bem o que era, graças a viver numa casa livre de tecnologia, mas na qual fica rapidamente viciada). Gostava que o Breckin tivesse um livro para ele. Sei que a Six teve direito a uma novela, por isso não é demais esperar pelo mesmo.

Acho que posso terminar dizendo que não era bem a história que estava à espera, mas que foi uma bela surpresa. Foi uma leitura mais leve e mais pesada do que pensava que ia ser, equilibrando os seus dois aspectos duma boa maneira. Posso dizer que a escrita da autora pegou em mim e arrastou-me ao longo de todo o livro, só me deixando respirar quando terminei; e fiquei com vontade de ler mais qualquer coisa dela.

Título original: Hopeless (2012)

Páginas: 352

Editora: Topseller

Tradução: Priscila Catão

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